falo por mim. estou andando. faz noite. é estrela. bebo vinho. a cidade, mãe imunda. me alimento em seu peito. me esquento em suas coxas. sou um cão. e que haverão de morder os cães? todo pedaço de carne leva preço. que adiantam dentes? as bitucas dos cigarros não são minhas. os pedaços de osso à toa nas calçadas sentem a falta da carne que os esquenta. faz frio. há ainda o corpo quente das cadelas. leio seus rostos. há fuligem neles. pneus em pó. escapo a cidade. escorro a chuva. deito o cansaço dos outros. vou em pedaços pequenos junto ao vento (1).
(fiz um bico num restaurante, perdi meu braço por uma semana, esqueci que havia colocado ele pra trás, na pressa pra atender um cliente. hoje acho meu braço, ambos ficamos felizes, ele me lambe feito um cachorro velho, está mais bronzeado teve sorte o sol bateu por aí em minhas costas)
amanheço minhoca. atravesso a rua. a vida aspera & quente. tanto asfalto castra a possibilidade de um mergulho. grito pelo outono. num sorriso largo passa o vento que me rasga a boca. um traço gelado de sol zombeteia em meus olhos. fico cego por um instante. esqueço das coisas
me calo para escutar o vento. se ouvem meu canto arrancam minha garganta. percebem que danço e cortam minhas pernas. muitos são os que perseguem os santos - ainda mais aqueles que sabem dançar.
(1) finjo que sou poeira ele me leva
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* Escrito em parceria com um senhor argentino o qual não sei o nome. O conheci numa estação de trem, em junho desse ano. Num certo momento da conversa e num ponto em que estava já convencido de que ele era um santo arrependido, perguntei ao velho: "O que o senhor vê quando olha pra dentro de si mesmo?". Ele finge ser surdo então aponto pro seu peito e repito a pergunta: "O que o senhor vê quando olha pra dentro?". "Um suéter roído, se estiver com sorte" - ele me responde. Faz frio, o santo é sensato. Em outro ponto se torna agressivo. Eu digo: "Fala como um cão". Ele me devolve: "Sou um cão". E completa: "Por que não se cala? Vamos ouvir o que tem a dizer o vento."
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4 comentários:
Sensacional,
Tava sentindo tua falta, garoto.
Abs,
Erick Monstavicius
Bom saber que você continua absurdamente genial, de tirar o fôlego!
Também senti falta.
Uma beijoca,
Alessandra
do caralho, pedro.
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