Eu vendo bolos.

Tinha vendido um pro Antonio. Antonio é meu vizinho de prédio. Ele fica no 1º andar eu no 3º. Então fui na casa do Antonio entregar o bolo. Eu tinha decidido que não ia entrar mas na hora que ele fez o convite eu entrei. O apartamento dele é diferente do meu porque o chão é de taco e todo mobiliadinho, parece casa de recém-casados sem experiência de vida, porque preciso dizer, fora o taco, o apartamento não tinha nada de interessante. Mas nada mesmo. Na parede tinha um daqueles quadros do tipo que você fica de pescoço duro quando passa pra não ter que olhar (na saída acabei olhando e vi um cavalo, umas árvores, um pouco de mato, um pouco de água) e a essa altura eu já sabia que o Antonio era gay, Cristina Aguilera tocando no dvd da sala (percebi que ele punha o som bem alto pra poder conversar sem nenhum vizinho ouvir - apartamento é mesmo uma droga, pelo menos nesse sentido. Quando o maluco do SANDY vem aqui em casa ele fala berrando e só fala loucura e aí junta eu, ele e o Jé do Crack e o assunto gira em torno de mulher, comida, a situação internacional e ultimamente o equilíbrio dos chakras (em especial o do primeiro). Quer dizer, quem fala mais é o SANDY e uma vez deu pra ouvir ele falando do primeiro andar. Os vizinhos devem ficar malucos.

- Toma um licor? - Era o Antonio me oferecendo a única bebida que ele tinha em casa.

- Não, obrigado.

- Ah, não vou beber sozinho - Ele se levanta e vai pra cozinha, volta com dois copos.

- Põe só um pouquinho Antonio. Eu não como açucar e essa porra é muito doce.

Antonio vai e põe meio copo. Azar dele. Não vou tomar a porcaria.

- Você não bebe?

- Bebo cerveja e vinho. Vinho seco.

- Eu bebo qualquer coisa que tenha álcool. Esses dias tomei duas garrafas de champagne com a Dona Ana.

Por Deus! Dona Ana era a moradora do apartamento numero 1. Devia ter mais de setenta anos. Antonio danado, ia acabar matando a velha. Pra onde vai tanto açucar? Champagne é doce pra cacete. Dei um gole. Imagine pegar uma xícara de água e jogar dentro de um kilo de açucar; agora mexa bem. Era isso que tinha no copo. Fiz uma careta e olhei pra ele:

- Muito doce, Antonio.

- Põe na mesa, depois eu bebo. E ai, cara de cansado, trabalhando muito?

- To sim, acabei de chegar de São Paulo.

- Cara, ontem fui pra São Paulo, tomei um porre... numa boate com tres amigos. Lá pelas 2 da manhã tava tão mal que fui procurar um lugar pra dormir. Os meus amigos vieram comigo e acabamos indo dormir os quatro num motel.

- Hum.


- Imagina, dormimos os quatro numa cama redonda de motel


Ele tava doidinho pra me dizer que era gay. Tava na cara, aliás, tava na casa, tava na música, tava em tudo.

- Antonio, você é gay?

(porra, se eu soubesse o estrago que minha pergunta ia fazer juro que não teria perguntado...)

Antonio engasgou na hora com o licor. O negócio era tão espesso que demorava minutos pra escorrer pelo copo. Ele começou a tossir e levou as duas mãos pro pescoço, assim como quem vai se matar. Na hora pensei: "Merda, ele vai se matar! Mas que droga, tá na cara que ele é gay, não tem porque ele se matar ". Ele foi ficando roxo e então eu me levantei do sofá e derrubei ele no chão porque me lembrei de umas técnicas que aprendi quando fui tirar carteira de motorista (depois vi que usei técnicas de socorrer epiléticos, fraturas expostas e até de ataque cardíaco, mas alguma delas funcionou e Antonio voltou a respirar). Mais calmo, conseguiu voltar pro sofá. Fui buscar água pra ele e quando voltei ele estava melhor, tinha voltado a cor.

(...a coisa foi tão feia que me arrependi na hora, quer dizer, tentei consertar dizendo que estava brincando e que eu também já havia dormido numa cama de motel redonda com mais quatro amigos e tinha até espelho no teto e que Cristina Aguilera fazia uma leitura moderna da pop music. Na saída elogiei os quadros, a decoração da casa, bebi a merda do licor que tava no meu copo, elogiei também, pedi o nome pra comprar depois. Me ofereci pra lavar os copos, ele não quis, então elogiei essa atitude dele, falei das pessoas que abusam e de como foi bom ter conhecido alguém como ele, assim, desse tipo que não abusava e que tinha senso de humor e entendia quando alguém fazia alguma brincadeira, enfim, fiquei super envergonhado e quando acabaram as coisas que tinham pra elogiar eu tive que ir embora.)

- O bolo é cortesia!

- De forma alguma, faço questão de pagar.

- É a política da minha empresa, o primeiro é para o freguês experimentar.

- Ou eu pago ou não compro o próximo.

- Não tem problema, te dou o próximo também.

- Ai Pedro!

- Está fechado Antonio. Fica pelo licor.

- Tá bom, você venceu.

- E depois te trago um dvd pra você me gravar esse show.

- Cristina é tudo de bom, né?

- É. Adoro a leitura que ela faz da música pop.

- Eu também. Boa noite.

- Boa noite.

5 comentários:

Luciano Costa disse...

muito bom cara.
a verdade é que nem todos estão dispostos a encarar a verdade jogada na cara. talvez sussurrada. ou talvez a mentira seja mais agradável, sempre, não é?
abraço

Renan Rodrigues disse...

talvez ele fosse só ativo, ou talvez fosse um gay relativista.
sumido cara. ainda bem que voltou. acho que não te vejo desde aquele sarau na castro alves.

abração

Unknown disse...

Dani, seu blog é o meu preferido!

Abração!
Dimitri.

Júlia Morena disse...

Oi Pedro,

to adorando ler seus textos aqui no blog. Muito bom mesmo. Bom também pra matar um pouquinho a saudade. Beijos, diretos daqui, de Belo Horizonte.

Luisa disse...

ó te mo!