como na primeira vez que tomei um porre eu e meu amigo jézz no ano-novo mais absurdo e sensacional que uma prefeitura jamais resolveu dar aos seus súditos uma avenida de mão dupla completamente interditada, música em toda parte, música ruim, fantástica pra dançar pra se ouvir bêbado e alucinado, vinho branco e doce em garrafas pet versão individual 600ml superfaturadas e à vontade (os bolsos da minha bermuda com três delas tudo quase caindo) o suficiente pra que o jézz, antes da meia-noite já se encontrasse completamente alcoolizado abocanhando os peitos da menina que ele tinha arrumado; duas japonezinhas a minha mais magra a dela mais gordinha, quase dando meia-noite eu à cata de uma bala de hortelã pra dar pra menina - ela tinha um problema, um gosto estranho na boca não era bem mau hálito, mas acho que era na língua o problema ela tinha uma espécie de língua epilética toda desesperada cada vez que encontrava com a minha - enquanto isso jézz tão alucinado parecendo uma guitarra ligada e eu querendo tocá-lo

pobre bermuda, a chuva numa noite quente, o ano-novo (o pouco que sobrou de folclore) o peso de carregar minha amiguinha meu amorzinho de uma só noite com sua lingua maluca e seu jeans uma armadura pra um corpo tão novo eu já não sabia o que fazer com ela - ah, se ela fosse uma das garrafas de vinho seria tão fácil eu abria e a bebia e o tempo todo tendo que pensar no jézz, com medo dele explodir de repente de modo que sem combinar nada inventamos uma história tão rápida quanto fajuta e demos o fora direto pro meio da multidão como se fosse pra arrancar a roupa e mergulhar nela feito mar- e pro meu espanto jézz faz exatamente isso, não tira a roupa mas se joga nas costas de um senhor que esperava pela queima dos fogos. o senhor se esquiva e ele cai na grama eu ainda ouço a tempo um grito de alegria e então me apresso em abrir minhas garrafas porque ficar perto dele agora é como subir num balão

corremos, já que faltam poucos segundos pra explosão dos fogos, pra explosão de um ano inteiro, um ano passado, um ano morto cheio de lembranças - que vão explodir também. toda a população, a parte boa da população que não se incomoda com a chuva nem com os jovens pulando em seus pescoços, todos ali reunidos pra ver o céu escorrer em seus olhos perdidos em milhares de cores tal qual um big-bang contemporâneo - a avenida já pequena pra tantas esperanças menores ainda

eu agora sozinho, nem ligo, corro pra lá e pra cá sorrindo pra todo mundo, abraçando os que me sorriem de volta, amando a humanidade tal como ela é naquele momento: encharcada e alcoolizada

oh bendito vinho branco e adocicado
não nos dê o peixe pronto
mas nos ensina a pescar um pouco da tua alegria
e faz com que tua doçura
permaneça em nossos lábios depois que tudo acabar

de repente o jézz volta e conto pra ele que dancei com uma mulher de uns 30 anos e ela deixou eu dar um selinho nela e ele por sua vez me conta que ajoelhou nos pés de uma menina da nossa escola e implorou por um pouco de carinho enquanto ela atravessava a faixa de pedestres mas mais legal que isso no dia seguinte ele me diz que mijou num orelhão com todo mundo olhando eu achei o máximo e então saímos juntos dando abraços e beijos nos outros numa espécie de suruba municipal no alto de nossos 14 15 anos ainda sem ter experimentado as longas noites de tédio & ressaca urbanizada pelas ruas de São Caetano que nos esperariam pelos anos seguintes, quando passaríamos noites inteiras comendo bolacha e bebendo chá preto pelos supemercados, paquerando fantasmas em shoppings centers abandonados dentro de uma cidade frígida e bem iluminada

e quando o jézz começa a passar mal eu percebo que a festa está para acabar (o primeiro de muitos fins). subimos a longa e triste ladeira - a ladeira final - o retorno - até a casa de minha mãe eu carregando ele (e numa noite futura, não muito distante, ele me carregando) nos esforçando ao máximo pra parecer bem - mas meu rosto inteiro queima, eu por dentro ardo exausto e feliz e o jézz está um farrapo já vomitou duas vezes e vomita de novo agora dentro do quarto e num esforço sobre-humano se levanta vai até o banheiro, arruma um pano de chão, limpa tudo e guarda o pano sujo dentro da sua mochila e só então consegue deitar e dormir um sono merecido afinal foi o herói da noite e se o prefeito soubesse sentiria orgulho porque nós fomos os discípulos fiéis que levaram adiante sua festa absurda.

fizemos tudo pra nos sentirmos vivos e agora a única certeza é a de acordar no outro dia achando que estamos mortos, torcendo para estarmos mortos, sem força pra abrir os olhos o estômago um abismo fazendo por conta própria promessas estomacais do tipo nunca-mais-beberei, num arroubo arrependido de suicida -

o corpo largado como uma âncora, num mar verde de lençois.

3 comentários:

Unknown disse...

Lindo, a tempo não lia seus contos, me fez voltar ao tempo e ver o quanto foi bom o pouco que passamos juntos.
Saudades
Bjs
Ana Paula

Josefa Pereira disse...

fã!

Anônimo disse...

bonito, muito bonito