dia desses fui dormir na casa de uma garota que já conhecia de forma superficial por termos trabalhado junto uma ou duas vezes. eu estava na porta de uma festa, decidindo se ia entrar ou não, ela chegou e começamos a conversar ela querendo saber onde eu estava morando e como disse em Santo André ela ficou compadecida por algum motivo distante e disse olhe você pode dormir na minha casa se quiser. moro perto daqui e estou sozinha. eu disse ótimo aceito porque tenho sono e não quero entrar nessa festa (ia entrar só pra ter onde passar a noite). fomos para a casa, um apartamento todo decorado um bom lugar em Sao Paolo - bem agradável com dois gatinhos castrados e uma varanda enorme. quando chegamos ela foi logo dizendo que estava muito cansada e que precisava dormir, de modo que eu falei olhe não quero atrapalhar, você deve estar muito cansada mesmo e tal tal tal. ela falou ah tudo bem, você bebe né? vou pegar um vinho. e na época eu bebia, já tinha tomado algumas cervejas. o vinho erá bom, ficamos tomando e conversando por algumas HORAS. a garrafa acabou. ela abriu outra. eu ainda não me sentia bêbado e comecei a notar que ela encerrava cada frase da nossa conversa desfiada com um olhar que se demorava nos meus e eu longe de ficar impaciente e menos ainda acanhado, colocava um acento a mais na palavra ETERNIDADE que ela ficava desenhando à minha frente
eu bêbado (sem perceber) construia cada palavra com mais demora e também com mais exatidão e lentas elas saiam grandes da minha boca a rua úmida & silenciosa me escutava -
ela não parava de me olhar eu, uma visita com dúvidas paulistanas marginais e sonolentas em meu corpo não achei nada melhor a fazer a não ser me inclinar para chegar até a boca dela (para CHEGAR até a boca, não para beijá-la pois nessa época eu acreditava que jamais deveria beijar uma garota e abrir mão da posição cruelmente confortável de quem é beijado quem é cortejado quem é amado e por aí vai). ela deu um sorriso e se afastou um pouquinho; no mínimo queria o mesmo tipo de segurança. perguntei voce quer? eu me referia ao carinho, ao toque, ao ínicio de entrega olhos fechados & respiração compartilhada que começa com um beijo - no fundo a mesma tentativa de sempre (de minha parte) - diminuir distâncias - ela disse eu quero. mas aí me contou que havia acabado de sair de um relacionamento agora tinha medo e mesmo sem entrar em detalhes me deu uma prova de que as pessoas são hábeis em machucar a si próprias e que amor não tem nada a ver com desejo e que há pouco amor no mundo e com sorte, muito desejo.
eu falei olha tá tudo bem, que vinho maravilhoso, que casa maravilhosa, que tapete macio - e não era por sacanagem eu estava achando mesmo tudo realmente maravilhoso cada vez mais cansado mas tranquilo sabendo que já estava dentro de uma casa e que teria roupa limpa e cama quente pra dormir - sozinho, que fosse - oh que terrível blá-blá-blá - é o pior que pode fazer destino? continuamos respirando cada um por si falando e ela continuava me olhando do mesmo jeito um olhar redondo & molhado & negro bolinha e as vezes pegando em mim e enfim me chamou pra ir dormir. eu disse, vamos. te pego no quarto, eu pensei. se não eu durmo, também tenho sono.
ela foi tomar banho, vestiu um pijama, colocou um colchão no chão. me sentei ao lado dela o clima mudou de novo (é como entrar dentro d'água leitor) e agora mais forte porque por cima da blusa dava pra ver os seios dela e eu te digo, mesmo que você não esteja maluco por uma garota e mesmo nem ligando muito, quando divide a mesma cama, com a menina saída do banho, sem sutiã, descalça, os cabelos soltos desabando sobre o peito e meio litro de um bom vinho seco dançando na sua cabeça, meu rapaz, tenha certeza que você vai ouvir a canção que vem das nuvens mesmo que não haja nuvens. e elas também ouvem é claro e aí o corpo pede pra dançar, as pernas ficam bambas, mas elas não dançam e esse é o motivo pelo qual as mulheres tem mais varizes.
ela ficou sentada de frente pra mim branquinha eu me distraindo com o sangue que corría por uma pequena veia na perna dela
- quer falar alguma coisa? - ela perguntou
- só que isso talvez não se repita
- é, eu sei
e ficou me olhando. fiz um carinho nela de despedida e disse vou dormir, você tem que acordar cedo amanhã, não tem? tinha, eu também, ia acordar junto. fui pro colchão. ela estendeu a mão procurando a minha, ficou mexendo até dormir. à essa altura eu já aliviado o cansaço vencendo as ambições noturnas momentâneas mágicas daquele momento sagrado sim sem dúvida mas uma certeza pululando na minha cabeça meu desejo pelo momento maior que meu desejo por ela - e confissões como essa não deveriam ser ásperas pra machucar ninguém
acordei com uma puta dor de cabeça. tomamos um café preto sem açúcar e comemos baguete com margarina. a dor passou.
não falamos sobre a noite passada.
ILUSTRAÇÃO DE EDUARDO MORARI
3 comentários:
curti pedro, sempre muita habilidade nesses diálogos intimistas!
do amigo, coelho da periferia.
Bebo no teu ritmo e perco o ar, literalmente. Extremamente poderoso, teus escritos sempre me acertam o queixo.
AHA, Muy bom, como uma onda q nos leva sem perceber.
beijo.
Du Sandy.
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