- toc, toc, toc...
a qualquer hora a porta vai abrir. minha cabeça está de papel trocado com o travesseiro. pensamentos se confundindo com penas de pato. se eu tivesse um pouco de dignidade me negaria a deitar em cima desse pato, esse pato pedro.
- toc, toc, toc...
to sentindo câimbras de tanto esticar a pena pra ver se consigo colocar o pé no chão sem descer da cama - meus sonhos são assim, menores que meu antebraço.
hoje tá ficando claro que vai ser um daqueles dias em que a coisa mais importante que eu vou fazer vai ser tirar um cisco do olho. se eu pudesse explicar como o cisco é pontudo ninguém ia fazer pouco caso, porque o cisco é uma estrela assassina.
- toc, toc, toc...
o calor do meu cobertor é tão macio que ao invés de esquentar me deixa constrangido.
- toc, toc, toc...
a qualquer hora a porta vai abrir, pelo menos é isso que está escrito nela. mas antes disso, um pequeno susto:
FALTA FORÇA NA RUA DAS PESSOAS QUE EU CONHEÇO!
todo mundo entra em desespero porque parece que vai chover lá fora e quem leu a bíblia sabe o que pode acontecer com uma chuva. ninguém entre meus vizinhos é herdeiro direto de móises e por isso todo mundo fica com medo de morrer num dilúvio.
a merda é que a rinite não pára de me atacar e enquanto isso...
UMA RUA AMANHECE CHEIA DE SANGUE!
o sangue vermelho no asfalto quente desenha um pégasus de asfalto com maldade entre os dentes, querendo aspirar o mundo inteiro pra dentro das suas narinas de pégasus vermelho.
minha imaginação é opressora, percebe?
tudo me aflinge tanto assim porque os gostos demoram mais pra sair da minha boca, por culpa de um palhaço mágico que me amaldiçoou quando eu tinha 4 anos de idade, usando um pente de boi trabalhado e entalhado à mão.
um boi chamado marcela.
nessa época as idéias brotavam como pulgas nas minhas cuecas, mas agora tudo é diferente e o máximo que posso fazer é observar os traços e mais traços que entram pela minha janela e servem como alvo pra apontar onde os raios que vem do sol vão queimar primeiro. sei o quanto sou vulnerável e por isso pretendo matar uma velha pra servi-la de oferenda ao deus sol e salvar minha pele mais uma vez.
é assim que as coisas funcionam por aqui.
em dias como esse o horizonte fica preso a meu corpo por uma linha umbilical e intuição é só uma coisa que serve pra saber se a água do chá já ferveu ou se tudo não passou de um sonho.